A B C

07/01/2016 19:18

A B C

 

Não é toda criança que recebe as bênçãos de ser conduzida pelos pais em boas leituras. Ana, em seus trinta e poucos anos, é uma das poucas sobreviventes aos tempos de Xuxa, vacinada com letras de primeira qualidade. Encantava-a desde o bêabá inicial o universo de Fernando Sabino, Rubem Braga... cronistas de fino sentir e que retratam no acaso o pulsar que move o âmago das pequenas coisas contendianas.

 

Não demorou para que em seus primeiros anos de ensino fundamental, desse a professora como lição de casa contar uma história, ou mais classicamente, o que se poderia chamar de redação. O tema, pouco importava. Mas Ana, iniciada por mestres nos imensos significados do dia a dia, fez do tema um mergulho em si mesma, à sua volta, e escreveu o que poderia ser o primeiro grande passo rumo a uma vocação para poucos – a literatura.

 

Só que a professora, inversamente, não iniciada em coisa alguma, diante da criação da menina, não vacilou em chamar a mãe de Ana, e diante de ambas, tratou de subir num pedestal e humilhando-as em secrilento prazer. Onde já se viu uma mãe fazer a tarefa de casa da filha?

 

Desterrada de si, espantosa da duvidez de sua pura honestidade, Ana perdeu o rumo da poesia, trancada a sete chaves por aquela que lhe deveria ser mentora, e que assim como veio, foi-se, rapinada-lhe fora um pedaço da alma, as chaves jogadas fora.

 

O trauma causado em Ana, abismo escondido há mais de vinte anos, aponta a primeira chama e gemido, para que vença os bloqueios e resgate aquilo que a sensibilidade lhe escancara, esforçando-se por traduzir esse universo mágico em palavras, em novas viagens que possam elevar a alma humana da mesquinhez cotidiana que a sociedade lhe impõe, causando estragos a esmo, em futuros luminares da humanidade.

 

Sandra Caldas

11/2015