A DESPEDIDA

10/09/2014 17:29

DEPOIS DA DESPEDIDA

 

Passada a interminável vigília do velório, o choro incontido na despedida final, há sempre uma hora de retornar para casa. E o trabalho mais árduo é sempre o de limpar o armário, desfazer-se das roupas e objetos do falecido.

Chegando em casa, rapidamente a solidão é substituída pela avidez que o ser humano tem, quase territorialista, de ocupar o espaço que antes pertencia a outro.

Mas desfazer-se das coisas do falecido, essa é a mais árdua das tarefas. Abrir o armário já causa a sensação de que se abre uma tumba milenar, com ácaros dos primórdios vida na Terra, a invadir o quarto e sua própria respiração.

Tira-se um objeto, revira-se outro na mão...não é necessário mais que uma pequena lembrança que ficará guardada nos fundos de uma gaveta, esquecida para sempre. Mesmo a roupa mais limpa, nova, até com etiqueta, tendo pertencido ao falecido, recende a naftalina, bolor, a cheiro de coisa velha. Os modelos parecem dignos de um antiquário, nada aproveitável...só doando, só mesmo levando para um brechó onde jamais retornaremos sob pena de reacender os fantasmas de que queremos nos livrar.

Esvaziar o armário é recolher os restos da ofensa que a morte nos traz, a nós vivos, tão distantes da morte, tão vivos para sempre...

 

09/14