CARTA AOS PAIS

08/10/2011 19:48

CARTA AOS PAIS  

 

 

Como muitos de vocês, fui de uma geração que buscava criar seus próprios valores. Opus-me a muitos, inclusive a meus pais, para que assim pudesse criar minha própria forma de ser. Busquei dar aos meus filhos o que pensava ser o melhor, valores nos quais acreditava, o que eu gostaria que me fosse dado em minha infância.

Muitos de vocês têm mais de um filho e podem constatar que uns “deram certo” outros não. Alguns conseguem de maneira equilibrada enfrentar as dificuldades, outros não. Nossos adictos, de maneira mais acentuada que os demais, entraram na adolescência com comportamentos abusivos e imprevisíveis que nos deixaram perplexos, desnorteados e não sabíamos o que fazer.

Só viemos a perceber a gravidade da situação de nossos filhos adictos quando eles estavam colocando em risco a própria vida. Aos poucos vamos descobrindo que a dependência química é uma doença incurável e progressiva, mas que pode ser detida. A dependência química leva o usuário a progressivamente perder todos os lastros que poderiam ser considerados corretos. Assim, mentiras, manipulações, usar de sedução, promiscuidade sexual, roubos, agressividade e delinqüência tornam-se características da doença, “valores” de que se vale o dependente para garantir a manutenção de seu vício. Existe uma historinha que diz que o primeiro adicto foi um homem romano de muito poder e posses, mas endividado em função de seus vícios, vendeu-se como escravo.

É inegável que a nossa sociedade enfrenta de maneira progressiva e assustadora a perda de valores éticos e de respeito ao próximo e que o uso de drogas pode ser considerado uma pandemia. Diante do que aí está de nada vale buscar culpados: a polícia? Os serviços sociais? Os pais?...esse círculo vicioso de buscar um culpado tem servido apenas para gerar mais confusão e sentimentos de inadequação e culpa nos pais. Como seres humanos, buscamos fazer nosso melhor, com acertos, aprendendo com nossos erros e assim, buscando seguir adiante.

Ao internarmos nossos filhos estamos dando a eles a imensa oportunidade, primeiramente de desintoxicação pelo uso de drogas e álcool, e principalmente o primeiro contato e o conhecimento de ferramentas de auto-ajuda que deverão nortear-lhes os passos para o resto de suas vidas. Essas ferramentas são os passos dos grupos de anônimos, gratuitos e ligados a diversos grupos de ajuda à dependência, de narcóticos, alcoólicos, fumantes, entre outros. E a continuidade dessa busca de recuperação é algo que depende apenas do desejo deles. Ninguém pode fazer a recuperação de ninguém.

O uso de drogas afeta enormemente a família que, na maioria das vezes fica tão doente quanto o adicto. A dor, a culpa, tão bem manipulados pelos adictos, em geral nos leva a contribuir para o agravamento da adicção sem que nos apercebamos. Daí a premente necessidade de que os familiares também freqüentem um grupo de anônimos para familiares, seja o AL ANON (para familiares de alcoólatras) ou o NAR ANON (para familiares de dependentes químicos) para aprender a lidar de maneira adequada com a adicção além da busca da própria recuperação emocional e espiritual.

Só assim aprenderemos a lidar com nossos adictos amando-os, aprendendo a por limites firmes e claros de que não mais serão aceitos comportamentos abusivos, agressivos e que não podemos assumir a responsabilidade da conseqüência de seus próprios atos sem com isso roubar-lhes a oportunidade de crescimento. Lidar com a adicção, não se trata de achar culpados, mas de aprender o que fazer diante do comportamento adicto.

É uma ilusão vendida pela sociedade de consumo que a felicidade é contínua e instantânea. A felicidade mais instantânea que ela vende vem justamente através da droga. A dor, a tristeza, os desapontamentos, a alegria, as perdas...tudo faz parte da riqueza que a vida é, e através do grupo de anônimos aprendemos a vencer essas dificuldades e com elas nos fortalecer, como poderosas lições que a vida nos traz. Aprendemos a viver melhor, só por hoje, porque o dia que tenho em minhas mãos, é só o de hoje. Aprendemos a aceitar a dor da escolha de nossos filhos pelas drogas e todas as suas conseqüências, bem como a alegria por cada conquista em sua luta contra sua dependência. E que a vida vai muito além de nossos filhos. Ao buscarmos nossa própria recuperação e equilíbrio  emocional poderemos ser exemplo e apoio quando eles buscarem, verdadeiramente, a própria recuperação.

Hoje aqui reunidos estamos dando os primeiros passos numa jornada, longa, muito longa, mas que nos trará muitas lições, mas principalmente a recuperação de nossa dignidade enquanto seres humanos e pais. Para isso é primordial o busca de ajuda do grupo e de apoio mútuos que podem ser fortalecidos pela troca das experiências vividas. Só por hoje.

Para encerrar, nosso lema: Só podemos modificar a nós mesmos, aos outros só podemos amar.(lema citado no encerramento de reuniões dos grupos de  NAR-ANOM)

Oração da Serenidade:Deus, concedei-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que eu posso, e sabedoria para perceber a diferença.

Eu encosto minha mão na sua, encosto meu coração no seu para que juntos possamos fazer o que eu não sei fazer sozinho. (lema citado nas reuniões de NA)

 

09/11