CEGUEIRA URBANA

28/12/2014 12:01

 

CEGUEIRA URBANA

 

Lá se vão uns oito anos que isso aconteceu. De repente, um rapaz bonito, esguio, vestido de maneira simples mas agradável, uns vinte e três anos, barba bem aparada, num castanho escuro como seus cabelos, me para e pede uma informação, respondida com a indicação de um cartaz logo ali adiante onde haveria todas as informações de que precisava. O rapaz humildemente respondeu que não sabia ler. Foi um choque.

Em pleno século XXI, na maior megalópole da América Latina, repleta de signos e símbolos por todos os lados, out doors gritantes (ainda bem que não existem mais, pelo menos nessa cidade), nomes de bares, mercearias, farmácias, ônibus por todos os lados, alguém que não saiba ler. Afinal é mais fácil ir aprendendo a ler através dos OMOs, BIS e LUX da vida do que com o vovô viu a uva. É como estar em uma festa de heavy metal e não escutar nada sem ser surdo.

De lá para cá, não que outros casos similares encontrados pelo caminho deixem de ser chocantes. Não dá para se acostumar com isso. Mas eles vão ganhando algumas particularidades. Não são apenas os migrantes com mais idade, que trazem consigo, quase que como uma tradição rural onde a miséria expulsa seus moradores, ser analfabeto. Seus pais foram, seus avós foram, ou seja, o analfabetismo grassa desde sempre, mesmo que a invenção de Gutenberg tenha ocorrido quarenta e cinco anos antes do descobrimento do Brasil.

Mas o que tenho visto são, principalmente mulheres (talvez porque lide com elas mais do que com homens em meu cotidiano), em seus trinta anos, bonitas, ativas, trabalham (em geral como domésticas), mas que convivem com analfabetismo de um modo peculiar, pra não dizer, brasileiro, sempre dando um jeitinho de mostrar aquilo que se deseja ler como quem não enxerga direito ou que não consegue entender o que está escrito. É com dificuldade, e muitas vezes, por mero acaso, que descobrimos que são analfabetas, quando o jeitinho não deu certo.

O espantoso é que essa convivência cômoda e quase harmônica com algo tão dissonante como o analfabetismo, que carrega consigo celulares modernos sem que se consiga ler as mensagens, aumenta a cada dia. E seria um dado estatístico, não fosse tão dissimulado, como uma doença contagiosa que se deseja ocultar.

Se não é uma doença física, pelo menos social é, senão os analfabetos não tentariam se esconder por receio de sofrer um grande estigma. E assim como as TVs e rádios anunciam as campanhas em prol da saúde como prevenção de câncer de mama, vacinação, dentre outros, deveriam se ater, com igual preocupação, às doenças sociais, que deveriam encher de vergonha, não seu portador, mas a sociedade como um todo que não luta com igual empenho, pela erradicação da poliomielite quanto do analfabetismo entre sua população adulta.

Melhor do que consumir um celular, é poder consumir todo o mundo à nossa volta.

 

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