OLHOS VERDES

03/09/2012 21:11

OLHOS VERDES

 

A idade não era muita. Mas a luta difícil com a terra árida a envelhecera bem mais que seus cinquenta e poucos anos. Lá longe, seus sonhos retidos como a lama coada nos lençóis de linho do enxoval, deram-lhe a água para beber. Talvez, por tanto tempo de escassez, seus olhos também secaram.

E assim, o corpo ficara denso e pesado, como as rochas do sertão, trazendo em si a lenda de um dia terem sido mar. E fizera o que lhe cabia: quatro rebentos, que para se salvarem, tão logo tiveram ciência de si, rumaram para o sul. A viçosidade urbana afeita às facilidades modernas, ao contrário do que se esperava, tornou-os fortes. Os irmãos sempre unidos, e junto à matriarca cada vez mais imobilizada pela artrose, sempre que podiam.

Mas foi assim, a filha mais velha, tão moça ainda, mais parecia irmã da filha entrando na adolescência, foi sentindo um incômodo e descobriram tratar-se de um tumor. Fez todas as sessões de quimio e radioterapias recomendadas. E parecida tudo tão certo, como a esperança que nunca morre, e o tumor voltou, avassalador como o fenômeno que transformara o oceano em caatinga.

A matriarca foi chamada às pressas. Cuidar da filha, cozinhar-lhe os alimentos, era o que podia. Internada para uma nova sessão de químio, os irmãos e o marido sairam para a visita noturna no hospital. Ao fundo da sala, a matriarca deixada em casa em sua difícil mobilidade, olhava perdida, cheia de espanto, emergindo do fundo de seu oceano verde, a dolorosa inversão das coisas. Seus lábios mudos, acostumados à resignação, fecharam-se, de leve.

 

08/2012