ABUSADO

30/07/2011 20:22

 

ABUSADO

 

Periferia de São Paulo. Jovem, os hormônios a mil por hora. A cabeça cheia de pó e coragem desmedida. O jeito desengonçado era encoberto por atitudes ousadas. A admiração imposta aos grupos da região, pela astúcia. A receita brancamente elaborada estava dando certo. Wesley conquistara a boazona mais cobiçada do pedaço, a mulher do traficante.

A sorte durou pouco. Procurado pelo traficante para tirar a limpo a situação, nem precisou que o boato corresse muito. Trancou-se em casa. Às vezes, espiava pela fresta da janela. A mãe, a irmã, traziam da rua notícias – ainda era procurado. As duas se cansaram da boataria e assim foram se acostumando com a casa na penumbra, aquele rapaz assustadiço, cada dia mais pálido. Dormia de dia. À noite passava em frente à TV. A irmã casara-se, fora embora e nem trazia os netos para a mãe ver. Detestava escuridão. A velha, já havia se passado 25 anos, cabelos brancos, temerosa pela sobrevivência do filho aconselhava: Leysinho, cê precisa sair! Quem vai cuidá docê? Wesley respirava fundo e tentava criar coragem. Ia até a porta, voltava, espiava pela janela, até que um dia conseguiu.

O sol lá fora ofuscava a vista. Voltou com dor de cabeça. Deu uma volta pelas ruas e retornou pra casa. Coisa rápida. Não falou com ninguém. O bairro crescera e a população era outra. Do tráfico, só restavam histórias. Poucos o reconheceram. Depois de tanto tempo, e tanta palidez, estava bastante mudado. Percorreu o mesmo trajeto, durante cinco dias. Depois entrou pra dentro de casa e de lá nunca mais saiu. Isso faz mais de dez anos.

 

06/11