COREOGRAFIA

27/07/2014 17:11

 

Penso que Deus fala a cada um, a Seu modo. Não me lembro se mencionei aqui antes, mas sempre disse que, ao menos para mim, Deus é sonoro, e inúmeras vezes fala através de músicas. Aquelas que tocam nos momentos mais inesperados, dando o recado, uma mensagem daquilo que meu consciente ainda não sabe.

Uma dessas foi quando meu filho sofreu um atropelamento e fraturou o crânio. Passava da meia-noite quando recebi a notícia. Corri à Santa Casa, mas estava em cirurgia que duraria até de manhã e não teria como saber dos resultados até seu término.

Fui para casa tentar dormir e armazenar forças para o dia seguinte. De manhã, na Santa Casa, vi meu filho ainda inconsciente do pós-cirúrgico, mas não tinha como saber qualquer coisa de algum médico. Deveria retornar em outro horário. Seu estado era uma incógnita e fui trabalhar. Antes, porém, tive de passar em uma papelaria, e enquanto aguardava a vez de ser atendida começou a tocar no rádio “Menina Amanhã de Manhã” com a Mônica Salmazo, de quem sou fã.

A letra da música, de autoria de Tom Zé, se refere à fatalidade da felicidade a cair sobre os homens, da qual ninguém se esconde, ninguém escapa. E naquela hora tive a certeza de que tudo ficaria bem com meu filho.

Hoje, decorridos tantos anos, em meu trabalho, lidando com o público, tive a oportunidade de ver meu colega ao lado prestar um serviço ao Tom Zé e sua esposa. Conversavam alegremente, comentando shows passados, uma prima que era fã de carteirinha.... Comentei que havia lido recentemente um artigo comentando a atuação de Tom Zé como precursor do tropicalismo embora fosse pouco reconhecido como tal.

Não queria demonstrar tietagem ou qualquer coisa do gênero, mas era forte o impulso de lhe contar a situação em que sua música teve tanta importância em minha vida. Criando coragem, resolvi contar, e me vi tomada pela mesma forte emoção de antes. Poder compartilhar com alguém que uma obra sua havia sido utilizada para uma mensagem de natureza mística, da maneira como veio, não de esperança como algo futuro, mas de esperança como algo concreto e eterno, nos abençoando sempre. Era como reencontrar Mensageiro e mensagem e dar-lhe a conhecer ser veículo de tanta dádiva.

Eles se foram embora e nosso trabalho continuou. Logo em seguida apareceu uma daquelas personagens dignas de uma sexta-feira 13. Por quase uma hora insistiu em aplicar um golpe, e sem o menor escrúpulo, me acusando de algo que eu não havia feito, apenas para conseguir o indevido. Não era um equívoco, mas um abuso.

E ri-me do absurdo em que alguns humanos se colocam, e mais uma vez, feliz, pela certeza de que uma ordem maior tece a vida, tão gratuitamente, ali, com seus fios coloridos, suas músicas, nos convidando a participar de sua coreografia.

Que pretensão alguém achar-se o coreógrafo. Que ilusão! Provavelmente também crê em harpas tocando nos céus.

 

06/14