DIÁRIO DE UMA CAMINHADA

10/06/2015 21:43

DIÁRIO DE UMA CAMINHADA

 

Caminhada em dia de semana:avenida turbulenta de carros. Apenas a música me impõe um ritmo lento. O caminho é verde, delicioso. Na volta,do outro lado, seu Pedro, conhecido comum, com os cabelos grisalhos imensos, por cortar há meses, confunde-se no todo cinza de sua vestimenta andrajosa. Escava uma lixeira, talvez em busca de alguma lata que lhe renda alguns centavos.

 

Há muitos anos, mal se via moradores de rua pela cidade. Talvez houvesse espaço para pobreza, a miséria ainda não disseminada... Era um dia de dezembro, muito quente, meio do dia, passado o Natal, as lixeiras cheias, abarrotadas...um rapaz, encurvado, como querendo esconder-se sem ter aonde, busca um naco das sobras de ceias, a vergonha levando-o a apenas saciar a fome, impedindo qualquer deleite com o bocado que lhe coube.

 

Sob árvores imensas, dia de outono ensolarado, sombra fresca,vento suave, um jovem da rua, pelas solas dos pés tintas de negrume, ressona tranquilo estendido sobre o banco, corpo ereto, sem o abandono do álcool ou o entorpecimento de drogas, mãos cruzadas sob a cabeça fazendo de travesseiro, o rosto belo, o abdômen exposto,liso e desejável...que o seu sono seja repleto de sonhos bons, enquanto puder.

 

Entro em casa ao som de Maria Betânia cantando ‘a lua furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão’, o piano tilintando notas soltas como pepitas que ressoam quando caem, ’e tu, tu pisavas nos astros distraída, sem saber que a ventura dessa vida, é a cabrocha, o luar e o violão’.

 

Ligo a TV...Betânia  na tela:’sou cabocla, minha alma é assim...apenas aprendi a pisar no Municipal...”

 

06/2015