ENVELHECER

15/06/2014 19:07

ENVELHECER

 

Envelhecer, hoje em dia, não parece coisa fácil. O aumento da expectativa de vida tem seu ônus e contrapõe-se ao que seria o ritmo da natureza. Se é que hoje em dia, o próprio planeta, submetido à insaciável ganância humana, ainda segue seu curso natural, quem dirá o ser humano.

Terrificado diante da própria finitude e da decrepitude de seu ser, numa inversão louca, corre-se com esforço sobre humano, contra o tempo, contra o espelho, enquanto a vida segue seu declínio natural.

Pelo menos metade da aposentadoria vai para alavancar as estatísticas de crescimento lucrativo dos grandes laboratórios farmacêuticos. Na sua maioria, processos não curativos, mas de tratamento contínuo, e entenda-se aqui, de contínua submissão às novas fórmulas mágicas.

Daí, não que apenas esteja se alterando a imagem que tínhamos daquele velhinho, que provavelmente esteja mais pra matusalém do que para alguém no gozo de ser avô ou avó, mas o perfil daqueles que deveriam estar entrando numa fase de calmaria é quase uma tormenta, pelo menos para os outros.

Se fica cada vez mais difícil adivinhar com que reverência se deve tratar aquele que tem cara de que já passou dos trinta, basta um lapso de movimento no encontro de corpos em nossa urbe superlotada para que sob impropérios de toda sorte qualquer dúvida se dissipe abruptamente,mediante a falta de educação daqueles que supõem que o mero ingresso na tal terceira idade lhes aufira direitos aquém da ética e da boa convivência.

Com o aumento proporcional do número de idosos sobre a população jovem, não é de duvidar que para além dos esforços de restauração da dignidade humana, nossa civilização descambe de vez sob uma turba de bengalas brandidas como bandeiras, rotas e sem causas.

Em meio à massa desmoronante, surpreendeu-me uma amiga: artista plástica, de profissão, se encontra praticamente sem audição, a caminho de perder o pouco que lhe resta de visão, a despeito dos avanços da medicina. Seus lindos olhos azuis, lentamente se despedem das cores, das letras que aos poucos também deixarão de ser pronunciadas.

Sua serenidade diante da inevitabilidade das degenerações físicas inerentes à condição de ser vivo é a de quem abraça os véus das sombras que a envolvem, lentamente, numa amorosidade de quem sabe estar se metamorfoseando em casulo, para em seu futuro, de espírito imortal, alçar novos vôos.

E a luz em que ela se transforma, me conforta, como um aconchego morno de sol bom, de esperança, de que a humanidade ainda possa encontrar o caminho de união com a vida que está sempre ali, como bênção, nos estendendo a mão.

 

05/14