HISTÓRIA BANAL

13/08/2011 19:58

 

HISTÓRIA BANAL

 

 

Estava na Avenida Paulista com minha filha, então com cerca de 12 anos. Dia de semana, tempo seco, sol quente. Voltávamos para casa quando vimos junto a uma banca de jornais um cão de rua, esquálido, meio sarnento. Se estivesse no deserto do Saara estaria em situação semelhante: longe de qualquer residência e em meio à poeira pesada de poluição. Às pessoas apressadas, era um ser inexistente.

Era desoladora a situação do cão. Andamos de volta cerca de três quarteirões antes de achar um boteco que pudesse preparar um pão com bife. Com dificuldade conseguimos levar um copo descartável com água sem entorná-la pelo caminho. A carne foi devorada, mas a água, em vasilha frágil, foi sugada pelo pó e pelo concreto.

À noite, chamei minhas crianças e pedi para orarmos pelo cão. Pedimos a Deus, à São Francisco, que fosse colocado alguém em seu caminho, que cuidasse dele.

Passada uma semana, saí do Metrô Clínicas e fui para um ponto esperar pelo ônibus na Avenida Dr. Arnaldo. Lá havia um cão bem grande, mestiço de pastor alemão, deitado no chão. Quando tentou se levantar, uma mulher assustou-se e quebrou o salto do sapato. Ficou ali amaldiçoando. Um homem que ali também aguardava pela condução, ameaçou enxotar o cão. Me aproximei do cachorro e afaguei-lhe a cabeça para mostrar aos que ali estavam que o animal era manso e não havia o que temer. Uma cicatriz enorme em sua nuca, despelada, apenas trazia repulsa e receio de alguma doença a quem se aproximasse.

Aquele pedaço da Dr. Arnaldo é um local no meio do nada: avenida larga de tráfego intenso, de um lado o cemitério, de outro a faculdade de medicina, no meio da rua um canteiro dividindo a via em duas. Nenhuma loja, nenhuma casa. Apenas um ponto de passagem. Mas de repente, vejo uma mulher jovem, em tailleur de trabalho, salto alto, atravessando a imensa avenida com um cachorro-quente na mão para ofertá-lo ao cão.

Isso poderia ter acontecido em qualquer outra hora. Mas aconteceu justamente no momento em que eu estava ali. Que fosse eu espectadora do despercebido milagre. Minha garganta se apertou contida, misto de alegria e entendimento de que, algo bem maior, que nossa miséria humana, ampara os esforços dos que fazem por minorar o desalento criado pelos homens que fazem da vida algo sem sentido.

 

07/11