LAÇOS ETERNOS

08/05/2011 19:38

 

LAÇOS ETERNOS

 

Naquele dia acontecera algo estranho: subitamente lembrara-se de uma irmã, meia-irmã, extremamente querida, em cuja casa acolhera-se durante a adolescência em almoços deliciosos. Conhecera ali a comida integral, o gosto pela arte, as conversas sobre filosofia, o zen-budismo introduzido como filosofia no Brasil por seu cunhado, o carinho silencioso da irmã. A convivência semanal dispersou-se na vida adulta, mas os valores impregnaram-lhe a alma para sempre.

E naquele dia, atravessara a rua lembrando-se da irmã. Via-a num caixão, vestida de branco e acarinhava-lhe a face num gesto que nunca fizera, mas repleto do amor que sentia por ela. Não havia nada de lúgubre no pensamento. Apenas veio-lhe a imagem. Lembrou-se de uma imensa tela vermelha que havia na naquela sala arejada e questionou-se se seria dos primórdios da atividade artística de Tomie Ohtake. A irmã e o cunhado morando em um apartamento por força da violência moderna sentiriam falta daquele silencioso verde que cercava a casa nos anos 70? Em seguida, sua mente simplesmente mudou de assunto.

Havia também outra meia-irmã, filha do primeiro casamento do pai. Não a vira mais que duas vezes ao longo da vida. Do pouco que ouvira, ela havia sido uma jovem difícil. Quem não foi? E quando chegou à noite em casa recebeu da irmã querida a notícia da morte daquela tão desconhecida. Percebeu que algo as unia, o sangue? Não, não era material, palpável.

E a noite ficou assim: ela, mais só, e em mais companhia, sentindo mais apertados os laços que unia às três, repleto de amor, de algo desconhecido, maior que ela. A noite era silenciosa e ela quietou-se debaixo das cobertas. Não dava para fazer as atividades costumeiras de todas as noites. E em silêncio, orou por ela e por quantos lhe vinham à mente e ao coração.

Não foi ao velório. Querer matar saudades de quem não via há muito tempo seria um incômodo ao pesar dos que haviam convivido aquela que se fora. Em seu íntimo, desejou que o luto de todos, logo, cedesse lugar à paz e a esse sentimento belo e estranho do amor que une profundamente as pessoas. As que vão, logo ali, e as que ficam, ainda, por terem o que fazer por aqui. Que Deus abençoe a todos, amém!

05/11