LADAINHA

11/12/2011 21:04

LADAINHA

 

O ônibus ia naquele ritmo lento, quase parando, sem que houvesse motivo aparente. Não chovia, nenhum acidente à vista, apenas um fim de tarde em que as estatísticas sobre congestionamento em São Paulo não têm como mensurar o grau de exaustão e irritabilidade das pessoas diante da lentidão inexplicável.

O final da Avenida Angélica parecia nunca chegar. Se para quem estava no ônibus era ruim mesmo com direito a assento, pior ainda para quem estava em pé, espremido, sem ter como cochilar ou se distrair com uma leitura. Mas pior mesmo, era para quem tinha que saltar nas redondezas e perceber que se estivesse à pé já teria feito o percurso  de ida e volta inúmeras vezes.

Impaciente com a demora, uma senhora de seus cinqüenta anos, simples, segurava-se junto à porta à espera do próximo ponto que nunca lhe parecera tão distante. Cansada, falou bem alto, lá do fundo: ”Seu motorista, dá pra abrir a porta, por favor?”.  O cobrador avisou que era proibido parar fora do ponto e o motorista, nem se deu ao trabalho de responder. Lei é lei , e em caso de infração a punição seria dele enquanto o passageiro seguiria lampeiro seu caminho. E lei, era obrigação de todo mundo saber, não tinha que dar satisfação.

Mas o ônibus não rodava, rastejava naquele nhec-nhec lento enjoativo de breca-acelera-balança enquanto os pedestres que subiam a rua perdiam-se de vista. - “Ôoo seu motorista! Eu tenho que descer no próximo ponto, por favor...!” E de novo o cobrador acenava com a cabeça:-”não pode!”.

Passados mais de cinco minutos, e uns três metros, e novamente a voz da mulher ecoa dentro do ônibus como ladainha em procissão ao padinho Cícero:-”Ôooooo seu motorista...tenha piedade...!” E o clima no ônibus ia se fazendo tenso, constrangedor.O silêncio entre os demais passageiros, de tão denso, era quase tangível. As pessoas encolhiam os ombros, se olhavam, mas ninguém ousava fazer nenhum comentário, nem contra, nem a favor. 

E a ladainha da mulher repetia-se a cada cinco minutos, desafinada, dissonante, incômoda. Mas também não era difícil se colocar no lugar dela e perceber que com um pouquinho de boa vontade o motorista poderia ter lhe aliviado o desgaste, geral. Talvez ela tivesse até chegado ao começo da Paulista. Lá na frente o motorista em sua obstinação mantinha a lotação num silêncio imparcial e lá no fundo a mulher mantinha sua ladainha monocórdia, incansável.

Passada mais de meia hora e percorridos uns cinqüenta metros, finalmente surgiu à direita o mal fadado ponto de ônibus. Como água no deserto que trás alívio a todos, os ombros começaram a relaxar, as pessoas a se movimentar, e a porta, velha, a se abrir lentamente. Com o pé direito já no primeiro degrau, lá veio a mulher de novo: -“muuuitio obrigado seu motorista <:}*, @#%+^, filho disso e daquilo..”.E pela calçada se foi, feliz, vingada pela gargalhada geral que ecoou dentro do ônibus. Ao motorista, restou a vez afundar a cabeça e encolher-se entre os ombros.

 

04/11