O PRIMO

12/03/2011 20:48

 

 

O ônibus ia lento pelo trânsito da Paulista. A certa altura, parando num ponto, os passageiros observam pela janela um carro do ano parado pela polícia. Dois tipos sob revista, com as mãos apoiadas sobre o capô, tinham jeito de quem só espera o time jogar prá poder aprontar. Na avenida cartão postal de São Paulo, num carrão daquele, com aquelas caras, estavam mais é pedindo que brecassem tanta bandeira!

Um rapaz alto, forte, que havia dado sinal para o ônibus parar, entra no coletivo em meio aos comentários dos passageiros de que o tal carro só poderia ter sido roubado. O rapaz, com cara mais de primo não transgressor dos sujeitos ali na calçada, passa pela catraca e senta-se próximo ao cobrador, tratando logo de demonstrar que estava inteirado dos comentários, sentenciando para todo mundo ouvir que uns tipos daqueles não poderiam ter aquele carrão.

E a todo volume, indicando que era um tipo honesto (não necessariamente trabalhador) inicia conversa com o cobrador:

-Ainda vou ter um carro para andar por aí...!

- O meu fica sempre guardado na garagem e só saio com ele no meu dia de folga, comenta todo orgulhoso o cobrador.

Sem esconder o espanto de como um cobrador de ônibus, assalariado, possuía um carro, e sem baixar o tom de voz, o rapaz indagou: como é que pode? Dá prá cobrador ter carro?

- É que eu sou deficiente, então consegui crédito a juros baixos para comprar o carro, isenção de imposto...!

- Você...!!! deficiente??? Nem parece! Que deficiência você tem? Interrogava o primo enquanto todos os olhares se dirigiam indiscretamente de alto a baixo examinando o cobrador.

Condoído de si mesmo, num tom de quem conta um segredo enquanto todo o pessoal do ônibus levanta levemente as orelhas para não perder a conversa, o cobrador gaguejou: é...é que eu tenho um problema na perna...

-Que problema??? (a voz mais alta ainda!)

Quase em sussurro, o cobrador, entre a humildade e a vergonha, contou que ao nascer seu pequeno corpo escorregara das mãos da médica e ao bater com a cabeça no chão ficara com uma lesão no cérebro que prejudicou o desenvolvimento normal de uma de suas pernas.

-Nooossa!!! Não dá nem prá perceber..., mais em vez de gastar dinheiro comprando um carro você deveria gastar para estudar, ou você vai querer ficar de cobrador a vida inteira, interroga o primo, gerenciando a vida do outro.

Balançando a cabeça, como quem já havia refletido longamente sobre o assunto, comentou: é, eu gostaria de fazer medicina...

Não deu nem prá terminar a frase. O primo, com ar de suprema inteligência e de detentor de ótimo humor lascou: já sei, é prá você se vingar da médica e ficar derrubando um monte de criança!

Aí, o cobrador não agüentou. Saltou do banco, com toda a dificuldade que a deficiência lhe permitia (e que todos constataram ser verídica), chamou o primo prá sair no tapa, mandando-o calar a boca, que brincadeira tem limite e coisa e tal!

Tive que descer, mas acho que o diálogo não chegou às vias de fato, mas deve ter calado a boca do invejoso intrometido por um bom tempo!

27/11/2010