O PSIQUIATRA

10/04/2011 18:08

 

O PSIQUIATRA

 

Estava o homem com a cabeça apoiada sobre mão, cotovelo sobre a mesa. Quieto, o olhar distante...Já fazia uma meia hora que estava ali parado. A diretora do hospital pensou e ser algum paciente procurando ajuda, mas quando pediu a alguém para verificar do que se tratava.Deu-se que era o novo médico que vinha para preencher a vaga disponível, clinicando como psiquiatra.

Corpo pequeno, tímido, cabelos levemente ruivos e algumas sardas, lembravam o Woody Allen. Os pacientes gostavam dele. Ouvia suas queixas e não negava os medicamentos dos quais quase sempre se tornaram dependentes. Com os colegas, pouco conversava, apenas um bom dia e um sorriso tímido. Tinha dificuldade para falar, e diante da invencível gagueira, calava-se.

Ausentou-se por cerca de três meses. Refazia-se de uma costela quebrada resultante de um assalto próximo ao hospital. Ninguém entendia como poderia alguém de sã consciência agredir cidadão tão pacato e inofensivo como ele. Nunca tivera um entrevero com quem quer que seja, nem mesmo com pacientes estressados.

Regressou diferente. Talvez, para aparentar mais agressividade a seu porte pequeno, quando voltou exibia um diminuto bigode, à la Hitler. O certo é que a mistura germano-hollywoodiana trouxe desconfiança aos colegas de trabalho que passaram a questionar, pelos corredores, a idoneidade psicológica do psiquiatra.

Mas o tempo ia passando, a aposentadoria se aproximando, e ele, pontual como sempre, atendia com gentileza a todos os pacientes, seus e de outros médicos que frequentemente se ausentavam, haurindo as comodidades do serviço público. Até que a notícia chegou, quase como uma bomba: o filho dele nascera. Forte, ganhara um sonoro nome italiano, e a mãe, uma jovem linda e saudável, também estava muito bem!

No saguão de espera os pacientes comentavam, o que os colegas já comentavam em surdina: como poderia um homem naquela idade (um velho daquele...!) se casar com uma moça e ainda por cima ter um filho...só poderia ser um louco!

A aposentadoria chegou, e com um sorriso silencioso o psiquiatra foi-se embora pela porta principal do hospital,tão silencioso quanto entrou, para nunca mais voltar. Foi cuidar de seu filho, de sua mulher, de sua vida. Nos corredores os doentes ainda pediam por remédios para aliviar os tormentos de suas almas. Os colegas, continuaram ocupando-se de outros personagens.

 

11/2010