SOMBRAS

02/10/2014 10:48

SOMBRAS

 

Entre as sombras das folhagens, mal se notava o homem sentado na calçada com seus pertences ajeitados em pequenos sacos que se amontoavam ao seu redor, servindo de anteparo e descanso aos seus braços. Mãos e pés descalços, cobertos por crostas negras, deixando entrever aqui e ali, pontos de sua pele clara. Percebiam-se em seu corpo robusto, em sua face, traços de uma beleza maltratada. Apenas os pés, um pouco inchados, denunciavam a bebida que deveria lhe servir de coberta para se proteger do frio do indiferente cinza metropolitano, paisagem que o tempo levara a uma integração tão única, que se tornara praticamente imperceptível. O único ser imóvel em meio à correria da avenida. Um anônimo observador urbano, ele próprio uma sombra

Uma mulher, tão comum, entre os que por ali passavam, chamou sua atenção. Imóvel, o olhar do homem seguiu-a, sem que tivesse que mover ao menos a cabeça – mas o suficiente, para em seu caminho, me perceber sentada à janela do coletivo observando-o. No átimo do encontro de nosso olhar, cheia de vergonha pela devassa indevida, baixei o olhos e segui, providencialmente, com a liberação do sinal eletrônico a ditar o ritmo do mundo.

 

 

08/14