TORCEDOR

10/05/2014 18:26

VARÃO TORCEDOR

 

Era o mais novo de sete irmãos, único varão numa seara de mulheres. Criado no clima da malemolente amorosidade baiana, seus desejos eram realizados numa solicitude devida, por direito, desde que viera ao mundo.

E o mundo era um vasto sem fronteiras. Pelas ruas logo aprendeu os meandros da malandragem, um mero aprimoramento do que já lhe corria nas veias. Para não confundir-se com as artimanhas dos miseráveis que as exerciam por uma questão de sobrevivência, tornou-se torcedor profissional do São Paulo Futebol Clube Paulista.

Nada poderia ter-lhe saído melhor: viagens pelo Brasil inteiro, por quase todos os países do Cone Sul, Europa, Japão...com hospedagens pra lá de quatro estrelas, comida e bebida da melhor. Era preciso ostentar em todos os jogos uma gigantesca bandeira do São Paulo a tremular no topo de uma imensa vara que ele balançava ao ritmo da corrida dos jogadores em campo, estimulando a ovação da arquibancada sob as lentes da rede de televisão. E só.

Era esta sua profissão, para desespero, inveja e raiva dos cunhados que labutavam o dia inteiro sem nunca terem conseguido tirar umas férias para além das redondezas de Salvador. E como se não bastassem as mordomias de torcedor profissional, entre um jogo e outro, bebedeiras, mulheres e arruaças serviam para dar o tom e quebrar a monotonia do cotidiano.

Entre as arruaças organizadas e as desorganizadas, a única ameaça que acontecia para jogar um balde de água gelada na galera era a ação da polícia que, à falta de comunistas, e mais para mostrar serviço e aumentar as estatísticas, superlotavam as delegacias de baderneiros que ameaçavam a paz e ordem pública.

Quando a galera era a do bando organizado, logo a direção da torcida mandava seus advogados, na base de Deus por todos, com ordem de soltura de seus fiéis tricolores de carteirinha. Mas quando era do bando da ala desorganizada, era cada um por si. E invariavelmente quando se tratava do caçula favorito, sobrava pros cunhados. E ai, se não resolvessem. Era briga na certa com a família toda, ameaça de jejum eterno, de separação, de ver-se longe dos filhos...qualquer coisa que pegasse ao cunhado vítima da vez em seu ponto mais vulnerável.

Mas uma hora, com os rodízios entre os cunhados tornando-se mais amiúde, resolveram eles formar uma torcida organizada contra o folgado, rezando para dar-lhe a lição na primeira vacilada. Não demorou uma semana. Meia noite,liga o fulano da delegacia, choramingando, a perseguição de que se via alvo da polícia, sem roupa para trocar, sem escova de dentes, e pior, sem dinheiro para a fiança para pagar a liberdade que era sua por direito e justiça.

A resposta veio pronta do outro lado. Não. Não vai dar não! Depois da meia-noite não dá pra sacar dinheiro e delegacia não aceita cheque, e mesmo se aceitasse, não teria fundos e quem iria preso seria eu! Sinto muito...! E bateu o telefone com a satisfação da vitória esperada há anos e que logo seria mais comemorada pelo grupo de cunhados do que os são paulinos na conquista da Libertadores da América.

Cinco da manhã toca de novo o telefone. Corre o cunhado a atender , oscilando entre o peso na consciência e o sabor da vingança de ter sido o marmanjo alvo de pancadaria coletiva na cadeia. O numero desconhecido, de um telefone celular, fez recear por qualquer outra notícia, pior. Alô! Ao fundo,o som de uma algazarra que emergia como cantoria de uma possível ligação feita por engano, dissipada pela inconfundível voz do outro lado. Alô, não precisa se preocupar não...me mudaram de cela e encontrei aqui um colega da torcida que me emprestou o celular e a gente tá aqui na maior comemoração...

Dois dias depois, como que ressurgido das cinzas das esperanças queimadas dos cunhados, o fulaninho aparecia, sorridente como sempre, aos abraços e beijos com sua última namorada, um mulherão semelhante a um armário, cabeleireira de profissão, advogada de formação, pagara a fiança e providenciara a soltura.

Dizem que há algum tempo tem pouco freqüentado os baixios de Salvador, bebida, nem pensar! Mas o São Paulo, este ganhou mais uma torcedora, a mais chamativa no meio da massa que lota as arquibancadas.

 

04/14