VERDE E AZUL

18/09/2011 19:26

 

VERDE E AZUL

 

 

Quando era criança, passava parte das férias de verão no Rio de Janeiro. Ficávamos no apartamento de uma tia que morava no em Copacabana. Era um daqueles prédios antigos e pequenos, a janela do quarto voltada para os fundos, dando para uma daquelas imensas pedras que existem no Rio. Monoblocos gigantescos, escuros e frisados de branco, como que açucarados, irremovíveis, em cujo derredor os imóveis proliferam como que abrigados pela paisagem que ali impera.

A praia de Copacabana ainda não havia sido aterrada. Em seu alinhamento natural, após a faixa de areia fofa e clara, havia um pequeno buraco de areia provocado pelas ondas. Com água até o pescoço, atravessava eu a pequena vala para atingir o que para mim parecia uma interminável faixa de areia plana e rasa. Ali, além das ondas, com as águas transparentes dançando véus sobre meus pés, caminhava eu maravilhada, como se fosse possível transpor todo o oceano se assim desejasse. E ali, sozinha, fazia minha comunhão com o mar.

Passado esse período de infância, tive poucas oportunidades de voltar ao Rio. Na adolescência ganhamos, eu e outra tia, de presente, de grego, uma carona num avião do exército de Brasília para o Rio. Achava eu que estava prestes a realizar meu sonho de chegar ao Rio de avião pelo mar. Aquilo era uma arapuca, ou melhor, um meio de transporte para que militar algum venha a derreter o coração. Com bancos duros de metal, gelados, nossos ossos doíam sob os solavancos de uma tempestade que nos acompanhou até o Galeão.

Apenas tenho a agradecer que todas as vezes que voltei ao Rio, a cidade sempre me mostrou sua face bela e tranqüila, como ela sempre foi em meu coração. Certa vez, indo de ônibus para lá, durante a noite, encolhi-me no banco junto à janela (sempre junto à janela pois qualquer paisagem é paisagem!) e dormi do jeito que pude. Acordei com a parada brusca do ônibus chegando à rodoviária. Ainda encolhida, abri os olhos e vi, através da janela, o Cristo, branco e lindo sobre o Corcovado. Em mim a sensação maravilhosa e muda de que havia chegado em Casa!

Há quem reclame do Rio, de sua sujeira, violência... Acho belos os casarios antigos do Centro. Mesmo que descuidados, com os rebocos caindo, o clima da cidade tem o poder de manter as cores das pinturas nas paredes. Os Paulistanos que me perdoem, mas lá não existe esse cinza que a tudo engole e unifica numa massa disforme de concreto e poluição. Um conhecido reclamava que os túneis do Rio eram horríveis:" bonitos são os de São Paulo!" – "Também?!!! Não tem paisagem, tem mais é que caprichar no túnel!" retrucava eu. E ao sair da escuridão dos túneis do Rio, a explosão mágica de luz, de azul e verde transbordando em minhas retinas. Incansável.

Certa vez, com tráfego correndo à solta na hora do rush, pelo aterro do Flamengo, podia-se ouvir a sinfonia de cigarras sobrepondo-se ao barulhos do motores e buzinassos, como a dizer que ali a natureza sempre será maior. Repetindo um cronista, o Rio será sempre uma cidade incrustada na paisagem, apesar dos shoppings com imitação da estátua da liberdade novaiorquina à porta. (O idealizador disso deveria ser condenado por depredação ambiental, cultural!).

Meu amor pelo Rio vai além do tempo. Parece que existe desde sempre. Certa vez cheguei de ponte aérea no Santos Dumont.(Ainda não foi desta vez que cheguei pelo mar). Desembarcamos e assim que entrei no prédio do aeroporto, deixando atrás de mim o asfalto das pistas, havia um pequeno espaço semi-aberto composto por três divisórias, bem próximo à porta. Era uma exposição de pinturas à óleo de paisagens do Rio antigo, séculos XVIII, XIX. Não havia mais que dez telas, e frente a cada uma delas, me encontrava numa lembrança vaga e repleta de gratidão. Ao terminar de olhar a última tela, uma funcionária entrou e começou a depositar os quadros no chão, desmontando a exposição. Tive a impressão de que aguardavam somente a visita de minha alma solene e saudosa e que ali se reconheceu.

Quando terminou esta temporada, que durou cerca de uma semana, ficou acertado que voltaríamos pela ponte aérea. As poltronas do avião não são numeradas, mas assim que uma voz anunciou que teriam direito a entrar primeiro no avião mulheres e crianças, mais que depressa segurei cada filho em uma mão e me coloquei como primeiríssima diante da porta de vidro. Assim que entrei no avião escolhi um assento bem ao fundo, longe da asa, pra não atrapalhar a visão, e do lado esquerdo, com a janela voltada para o oceano quando no percurso para São Paulo. Afivelei o cinto e aguardei. Quieta, aguardei.

O avião começou a taxear, entrou na pista principal acelerando a potência dos motores como a medir a intensidade do prazer que me tensionava. Como a pista daquele aeroporto é curta, a decolagem é bastante inclinada e rápida. Eu não sabia. Não esperava. Não houve nem tempo. Sendo elevada ao lado do Pão de Açúcar, de todo aquele verde e azul, de todos aqueles gigantes de pedra, simplesmente perdi a respiração. Como se Deus me carregasse em Suas mãos a presentear-me e a dizer: –" olhe bem, porque tudo isso é seu!" E compreendi então, no fundo de meu ser, a frase de Tom Jobim: Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro!

 

 

05/11